O Transtorno do Espectro do Autismo é pauta cada vez mais relevante e necessária em todo o mundo. Este ano, no Brasil, o direito das pessoas com autismo ao tratamento efetivo foi amplamente discutido na mídia, na comunidade e eventos que discutem, ao redor do país, políticas públicas para pessoas com deficiência. Hoje, o autismo é reconhecido como uma questão de saúde pública que exige ações urgentes em várias frentes. Entre as quais, a identificação precoce nos primeiros 12 meses de vida, o acesso ao tratamento efetivo na infância e adolescência e o suporte abrangente para a inclusão no mundo social e do trabalho na vida adulta, em especial no que diz respeito a educação especial e inclusão do estudante com autismo na escola.

Quando pensamos no Transtorno do Espectro do Autismo, é importante considerar que o diagnóstico precoce é crucial para o acesso ao tratamento efetivo. De fato, a pesquisa, tanto na área médica quanto no âmbito da psicologia, já demonstrou a necessidade de avaliação clínica para o diagnóstico, pois não existe na área médica uma avaliação de marcadores biológicos via mapeamento genético para todos os casos de autismo. O Brasil já reconhece o problema do diagnóstico precoce como uma questão que merece atenção urgente. Em 26 de abril de 2017, nós tivemos a sanção da Lei nº 13.438/2017 que estabelece que a identificação de atraso no desenvolvimento infantil deve ser realizada por meio de protocolos já autorizados pelo Ministério da Saúde na rede do SUS. Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) é obrigado a adotar protocolos para avaliação dos marcadores do desenvolvimento infantil nos primeiros 24 meses de vida da criança. Há um consenso entre especialistas que os sinais precoces do TEA podem ser identificados antes dos 18 meses de vida da criança, requerem a avaliação clínica por profissionais treinados. A ciência já nos oferece protocolos de avaliação de fatores de risco para o desenvolvimento infantil que viabilizam o diagnóstico precoce no âmbito da puericultura e da pediatria. O esforço da comunidade científica para produzir protocolos baseados em evidência justifica-se pela tendência de os sintomas do autismo tornarem-se graves e acarretarem um prejuízo significativo para as pessoas ao longo do desenvolvimento, se a intervenção não for iniciada o mais cedo possível. Por exemplo, os problemas de comunicação em crianças com autismo são persistentes e podem incluir desde a dificuldade para a aquisição da fala até a dificuldade para utilizar a linguagem de modo funcional em situações sociais. Inúmeros estudos publicados em revistas científicas já estabeleceram relações funcionais entre déficits na aquisição de linguagem e habilidades de comunicação e a ocorrência de comportamentos-problemas. Entre os mais graves estão a presença de agressão física e de comportamentos autolesivos.

Estas dificuldades causadas pela falta de tratamento efetivo, têm um enorme impacto na qualidade de vida dos indivíduos, suas famílias e educadores, já que intervenção iniciada tardiamente prejudica o. Entende-se por intervenção precoce é considerada aquela feita desde os primeiros meses de vida da criança até os 5 anos de idade. Já está amplamente provado pela ciência que a intervenção precoce permite tirar proveito do período do desenvolvimento onde a neuroplasticidade cerebral está presente onde uma das principais preocupações relacionadas ao autismo é a questão do atraso na aquisição de habilidades importantes para o desenvolvimento infantil em áreas como comunicação, socialização, acadêmica, adaptativa e ocupacional.
Para avançarmos no debate sobre diagnóstico o direito ao tratamento efetivo, temos que incluir a educação especial como componente essencial. Quando pensamos em crianças com autismo entende-se que a inclusão escolar é o passo mais importante para o desenvolvimento pleno desses indivíduos, uma vez que, a interação social na vida de uma criança com autismo é primordial para o desenvolvimento de habilidades e comportamentos socialmente aceitáveis. A escola é o espaço público onde este desenvolvimento deve acontecer. Inclusão escolar é ter acesso a programação curricular adaptada que leve em conta as capacidades e as necessidades do estudante com autismo. Educação de qualidade para crianças com autismo não é ter cuidador na escola, apesar de que é direito constitucional do estudante com autismo ter um acompanhante escolar. Crianças com autismo têm direito à educação especial de qualidade. No entanto, desde a Lei Brasileira de Inclusão (ou Estatuto da Pessoa com Deficiência), que entrou em vigor em 2016, pouco se avançou do ponto de vista prático. Adaptada da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, a lei que busca garantir os direitos das pessoas com deficiência trata da acessibilidade e da inclusão em diferentes aspectos da sociedade.
Quando a escola não recebe suporte curricular adequado, os indivíduos com autismo passam pela vida escolar sem desenvolverem as habilidades necessárias para uma vida mais independente em comunidade. A precariedade na educação pode impossibilitar a entrada no mercado de trabalho daqueles indivíduos que convivem com autismo de alto funcionamento. Pessoas fora do mercado de trabalho não deixam de representar um enorme custo, tanto social, quando econômico para a sociedade. Se indivíduos com autismo, por falta de intervenção de terapia apropriada, não conseguem se tornar adultos produtivos, pais, cuidadores e familiares precisarão ser os responsáveis por dar suporte a estas pessoas desde o nascimento até a vida adulta. A falta de acesso a intervenção precoce, aumenta o risco emergencial de transtornos mentais na vida adulta. Consequentemente mais demandas para o sistema de saúde, nos hospitais e no suporte psiquiátrico ambulatorial, uma vez que, estas pessoas irão precisar de mais recursos da área da saúde, devido a problemas no âmbito de funcionamento adaptativo e de vida independente.

Desde a regulamentação da Lei Berenice Piana (12.764/2012), que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo e reconheceu o autismo como uma deficiência, todos os direitos constitucionais previstos para pessoas com algum tipo de deficiência estenderam-se aos indivíduos com autismo. Direitos constitucionais de acesso a saúde e educação de qualidade, exemplificados pelo ingresso e permanência nas escolas regulares com direito a um monitor quando as crianças necessitam, além da proibição da escola a se recusar a matricular o estudante, o direito à inclusão no mercado de trabalho com as vagas para pessoas com deficiência e de auxílio terapêutico no ambiente de trabalho, estabeleceram as garantias das crianças, adolescentes e adultos com TEA ao acesso ao suporte necessário para que estes indivíduos alcancem qualidade de vida no âmbito pessoal, na escola, na comunidade e no trabalho.

É preciso lembrar que o diagnóstico precoce, o suporte na área da saúde, o tratamento efetivo e eficaz por meio de intervenção precoce, a educação especial e inclusão do estudante com TEA no ambiente de ensino, o autismo na adolescência e na vida adulta e políticas públicas para indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo precisam ser discutidos sempre.

O que precisamos entender sobre o autismo?

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento complexo e com uma etiologia de base bilógica. Este transtorno caracteriza-se pela ocorrência de problemas marcantes no desenvolvimento infantil. Alterações no desenvolvimento, que ocorrem no autismo incluem dificuldades nas habilidades sociais, comunicacionais e comportamentais que acarretam um prejuízo significativo para a vivência familiar, acadêmica e em comunidade. O diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é clínico e deve ser realizado a partir dos critérios estabelecidos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).

Por que parece tão comum ouvir falar em autismo hoje?
Dados epidemiológicos de 2018 oferecidos pelo Center for Disease Control and Prevetion (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, informam que 1 em cada 59 crianças nascidas são diagnosticadas com TEA. No Brasil estima-se que em torno de 2 milhões de pessoas são afetadas pelo autismo. Por conta disso, a busca por tratamento efetivo no país tem crescido exponencialmente. Existe portanto, uma crescente demandapor profissionais capacitados, tanto pela famílias, que buscam tratamento eficaz, como por profissionais que realizam o diagnóstico e identificam a elegibilidade para tratamento especializado.

Quando pode se perceber os primeiros sinais de autismo?
Os sinais precoces do autismo podem ser identificados antes dos 18 meses da vida da criança por profissionais treinados, utilizando protocolos baseados em evidência. Os sintomas podem acarretar um prejuízo significativo para as pessoas ao longo do desenvolvimento se o tratamento não for iniciado o mais cedo possível. Por exemplo, os problemas de comunicação na criança com autismo são persistentes e podem incluir desde a dificuldade para a aquisição da fala até a dificuldade para utilizar a linguagem de modo funcional em situações sociais.

O que é a Terapia ABA?
A Análise do Comportamento Aplicada (do inglês Applied Behavior Analysis – ABA) é uma ciência dos problemas humanos que propõe a utilização de princípios científicos que regem o comportamento humano para a melhoria de dificuldades socialmente relevantes, e é voltada para a implementação de estratégias efetivas para a mudança comportamental que são vantajosas e duradouras para os indivíduos que dela se beneficiam. No Brasil, a aplicação da Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo está sendo conhecida como Terapia ABA. A comunidade de analistas do comportamento, aponta a importânica de não confundir a ciência Análise do Comportamento Aplicada com um conjunto de técnicas ou métodos. A Análise do Comportamento tornou-se mundialmente conhecida após uma abrangente implementação para o tratamento de indivíduos com autismo ao redor do mundo com resultados muito positivos. Desde a década de 1950, a eficácia de protocolos da Análise do Comportamento ficou demonstrada em muitos estudos publicados em revistas científicas. Tanto que na década de 80 a utilização da Terapia ABA para o tratamento do TEA teve sua efetividade reconhecida no âmbito da medicina pediátrica pelo Surgeon General dos Estados Unidos, que é uma agência governamental americana responsável pela avaliação e aprovação de tratamentos médicos efetivos. A Terapia ABA se mostra eficaz no tratamento para ao autismo por meio da melhoria nas habilidades de vida diária, na área acadêmica, na vivência em comunidade, no desenvolvimento socioemocional, no desenvolvimento de comunicação, nas habilidades de autorregulação entre outras importantes habilidades que crianças e jovens precisam desenvolver para participar de ambientes e de situações sociais das mais diversas.

Como é feita a intervenção com ABA? 
A intervenção com Terapia ABA geralmente inicia-se por meio de uma avaliação inicial das habilidades da criança, bem como dos comportamentos difíceis por ela apresentada. Após a avaliação inicial, um profissional capacitado desenvolve um plano de intervenção comportamental que inclui uma programação para o ensino individualizado, intensivo e sistemático com o propósito de ensinar novas habilidades ou reduzir problemas de comportamento que funcionam como barreiras para o desenvolvimento infantil. O progresso clínico da criança é continuamente avaliado uma vez que a intervenção é monitorada por meio da coleta de dados que serve para a tomada de decisão sobre quais devem ser as prioridades para o tratamento da criança no futuro. Para a intervenção efetiva com Terapia ABA nós temos então uma sequência que consiste na avaliação, na programação com estratégias baseadas em evidência, na implementação da programação, seguida de reavaliação e estabelecimento de novas metas terapêuticas.

Como saber se um programa ABA tem qualidade?
Com a popularização da Terapia ABA no Brasil é importante se falar sobre a importância de informar bem os consumidores, sejam eles pais, familiares, educadores ou até mesmo profissionais da área médica ou da área de saúde, para que estes possam identificar a Terapia ABA de qualidade para encaminhar crianças ou indivíduos que necessitam de intervenção. Algumas características são importantes para que se determine que um programa de Terapia ABA tenha a qualidade necessária: o programa deve ofertar serviços com base nos princípios cientificamente comprovados; oferecer uma atenção individualizada as necessidades do cliente, familiares e demais pessoas que lidam diretamente com a criança; os objetivos terapêuticos precisam ser identificados por meio da avaliação dos déficits e das habilidades básicas da criança; bem como os problemas de comportamento devem ser investigados por meio da análise funcional dos comportamentos.

Quem pode oferecer Terapia ABA no Brasil?
No Brasil, a capacitação para a intervenção em Terapia ABA está em pleno crescimento. A ACBr informa quais são os critérios que devem guiar a escolha de um profissional competente para supervisionar programas de Terapia ABA. Mas, nos países norte-americanos as diretrizes para a formação profissional e a prática responsável da intervenção com Terapia ABA já está muito melhor estabelecida por meio da certificação internacional pelo BACB. Por aqui, cada vez mais profissionais tem se interessado em obter a qualificação necessária para atuar em Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo. Esses profissionais investem em sua própria formação profissional que requer formação acadêmica no nível de mestrado e doutorado e uma ampla experiência supervisionada.
Dra. Mylena Pinto Lima é diretora clínica da Casulo Comportamento e Saúde. Psicóloga, BCBA-D (Certificação Internacional em Análise do Comportamento Aplicada (Terapia ABA) Behavior Analyst Certification Boardem), Doutora em psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atuou por 10 anos no ensino superior em universidades brasileiras como professora e pesquisadora, e por 10 anos no Canadá como Analista do Comportamento nas áreas de desenvolvimento e saúde mental de crianças e adolescentes.